No Plano Museológico do Museu da Cana de 2023, elaborado pela museóloga Elisabeth Zolcsak, é apresentado um histórico que auxilia a organização das atividades de conservação, pesquisa e comunicação do patrimônio deste museu. Parte deste material está disponibilizado na integra abaixo:
“A produção de açúcar, a partir da cana, interessou aos colonizadores de regiões tropicais (Indonésia, Havaí, Antilhas, Madeira, Cabo Verde, Açores e Brasil). No Brasil, em 1530, já se cultivava a cana no Nordeste e, logo em seguida, no litoral de São Paulo e Rio de Janeiro.”
“A cana cortada e a garapa não são adequadas para armazenamento, ou seja, tanto a extração como o processamento do caldo devem ser feitos sem demora, condição que impulsionou a criação de técnicas de fabricação de açúcar, da colheita até a distribuição.”
“Os engenhos do século XVII eram constituídos pela casa de moenda, cozimento e purga, construída com pedras e perto de rios. A Revolução Industrial, iniciada no século XVIII na Europa, trouxe inovações técnicas para a fabricação, porém, tardou no Brasil, que perdeu mercado para a produção de açúcar no Caribe.’
“A técnica é uma coleção de métodos de fazer alguma coisa. Quando se relaciona com tecnologia, compreendida como o pensar sobre o fazer na busca de novos métodos, a técnica incorpora invenções que, na produção de açúcar no século XIX, apareceram na força motriz a vapor, nas esteiras transportadoras, nas moendas horizontais, no cozimento a vapor e vácuo e na centrifugação. Contudo, houve aumento no domínio do homem sobre a natureza e sobre outros homens, na separação entre o fazer e o pensar e na divisão social do trabalho.”
“No Brasil, os chamados engenhos centrais surgiram no fim do Império, adotando inovações nas instalações e nos equipamentos, adquiridos, principalmente, de fabricantes escoceses e franceses. O modelo produtivo dos engenhos centrais é caracterizado pela separação de lavoura e de indústria mecanizada, a qual também separa a extração de caldo do seu processamento.”
“No processamento, os evaporadores e cozedores eram colocados em plataformas elevadas para aproveitamento da força da gravidade no deslocamento de produtos pastosos de um equipamento a outro. Além disso, o arranjo dos equipamentos nas fábricas tinha que assegurar a transmissão do movimento iniciado pela força motriz a vapor, por eixos e correias, bem como o transporte de vapor com uso de tubulações.”
“O primeiro engenho central do Brasil foi construído em Quissamã, RJ, aberto em 1877. No estado de São Paulo, o primeiro engenho, de 1878, foi construído em Porto Feliz, depois vieram os de Piracicaba, Lorena e Santa Rosa de Viterbo.”
“Em Sertãozinho, Francisco Schmidt, fazendeiro de café, em sociedade com a empresa alemã Theodor Wille, implantou o Engenho Central – Usina Schmidt no Sítio Pocinhos, ao lado da Fazenda Vassoural, iniciando atividades em 1906 com equipamentos escoceses e franceses da década de 1880. Schmidt nasceu em 1850 na Alemanha, chegou ao Brasil ainda criança, em 1858, tornou-se lavrador, comerciante, proprietário de terras, até ser um dos maiores fazendeiros de café da época. Como empreendedor, interessou-se pela exportação de açúcar, tendo obtido benefícios de isenção fiscal pela lei da Câmara Municipal de Ribeirão Preto, motivada pelos investimentos em outras culturas além do café.”
“O pesquisador Jefferson Ferreira do Nascimento, em um artigo publicado pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (Revista Iluminart, n. 15, 2017), informa que os equipamentos de Schmidt, adquiridos junto a Dumont Coffee Company, faziam parte de um projeto de Henrique Dumont para a implantação de engenho na Fazenda Dumont. A venda dessa fazenda para empreendedores ingleses fez com que os equipamentos franceses da empresa Fives-Lille jamais tivessem sido utilizados antes de serem instalados no Engenho Central – Usina Schmidt. Entretanto, também há, nessa usina, equipamentos da marca francesa Baudet et Boire – Lille e da marca escocesa McOnie. Roberta Barros Meira, na sua tese de doutorado de 2012, afirma que Henrique Dumont comprou, em 1899, máquinas da marca McOnie, fabricadas em Glasgow, do desativado Engenho Central do Piranga, de Minas Gerais, e que era comum o reaproveitamento de peças entre os vários empreendimentos.”
“O modelo de engenho central caminhou para a forma de usina, com propriedades que, além da indústria, plantavam cana e também a compravam de outras fazendas. A Usina Schmidt, em 1912, cultivava a cana rosá, ocupava 42 operários e tinha capacidade máxima para 30 mil sacas de açúcar, comercializadas com a marca Crystal. Também adquiriu cana de sitiantes, auxiliou a formação de trabalhadores rurais, mecânicos e administradores, entre eles fundadores de grupos econômicos da região, como Balbo e Biagi.”
“O Sítio Pocinhos foi adquirido por Francisco Schmidt, em 1903, do seu proprietário anterior, Alexandre Balbo, o qual havia comprado as terras em 1900 para cultivar café e cana. Alexandre Balbo e os filhos dele passaram a trabalhar no Engenho Central – Usina Schmidt, e, em 1919, um dos filhos, Attilio, foi promovido a mestre da oficina, função que exerceu até 1926 e, então, continuou como gerente geral da Usina, Oficina e Serraria até 1945. Attilio Balbo trabalhou e morou no Engenho Central, com a esposa e 12 filhos, e, em 1947, iniciou negócios próprios que levaram ao Grupo Balbo, hoje com as unidades Usina Santo Antonio, São Francisco, Uberaba e Native.”
“Após a administração da família Balbo, Valdemar Profeta gerenciou a Usina Schmidt entre final da década de 1940 e meados dos anos de 1960. Nesse período, a chaminé foi reconstruída, houve construção do barracão de recepção de cana, em 1958, e o prédio central foi ampliado. Também foram construídos lagos, em 1951, para receber e resfriar a água quente utilizada na fábrica, porque o açude construído antes da década de 1940 não estava suportando o volume de água nele depositado.”
“Em 1924, com a morte de Francisco Schmidt, o Engenho Central passou a pertencer aos filhos Arthur e Ernesto Schmidt, os quais, em 1961, venderam a Fazenda Vassoural para Maurílio Biagi e, em 1964, também o Engenho Central, que passou a produzir aguardente, com nova edificação para destilaria. Em 1966, Biagi constituiu a Companhia Agroindustrial Engenho Central (Caiec), que seguiu produzindo cachaça até o início da década de 1980 quando, então, o Engenho Central passou a servir como base agrícola para a Usina Santa Elisa, até 2001.”
“Maurílio Biagi faleceu em 1978. O seu filho Luiz Lacerda Biagi preservou as edificações e máquinas do Engenho Central e, em 2005, constituiu o Instituto Cultural Engenho Central para a implantação do museu. Ele também buscou adquirir peças representativas da produção de açúcar no século 16, auxiliado pela pesquisadora Cristina Duarte Prata. Os objetos arrematados em 1977 de engenhos pernambucanos são: moendas de engenho de banguê, tachos para cozimento (vasilhames semiesféricos de ferro fundido e batido) e formas para purgar (vasos de tábuas de madeira fixadas com anéis de metal e com furo na ponta para escoar a umidade do açúcar).”